domingo, dezembro 06, 2020

Escleroterapia com espuma e foramen ovale patente

A escleroterapia química com esclerosantes em formato espuma vem sendo usada há mais de trinta anos. O destaque recente dado a essa técnica se deve à divulgação feita por Dr. Juan Cabrera a partir de 1993 quando patenteou uma microespuma com gases fisiológicos. A partir de então, a julgar pelo que vem sendo divulgado por todos os lados e meios, o milagre da espuma vem derrubando todos os limites e parece que também todos os cuidados e cautelas. A banalização da técnica que "torna a cirurgia de varizes coisa do passado" já está ultrapassando os limites do bom senso médico. Para fornecer uma idéia da seriedade do tema relatamos a seguir a experiência vivida pelos médicos da Grow School for Oncology and Developmental Biology (Nederlands), Drs. Roeland P.M.Ceulen e Anja Sommer, e publicada no exemplar de Abril 2008 do New England Journal of Medicine ( N Engl J Med 2008;358:14) Os autores relatam o caso de um homem de 51 anos que evoluiu com escotomas transitórios e uma jovem de 33 anos que apresentou síndrome neurológica (migraine), imediatamente após terem sido submetidos a tratamento esclerosante com espuma. Foi utilizado o Polidocanol (5ml) a 1% numa diluição de ar/líquido de 4:1. A técnica aplicada se pautou pelo European Consensus Guidelines. Por conta do ocorrido os autores decidiram monitorar com ecocardiograma o trânsito da espuma em 33 pacientes consecutivos. Resultados obtidos pelos autores:
  • presença de microêmbolos de espuma no átrio e ventrículo direito de todos os pacientes e que permaneceu por um período de 45 segundos a 15 minutos após a injeção.
  • em cinco pacientes foram observados microêmbolos no átrio e ventrículo esquerdos. Estes eram portadores de foramen ovale patente
  • nenhum desses pacientes apresentou sinais neurológicos
  • os dois paciente originais, que apresentaram síndrome neurológica, também eram portadores de foramen ovale patente.
Os autores advertem que:
  • O microembolismo é comum na escleroterapia com espuma
  • 26 a 30% da população é portadora de foramen ovale patente
  • estima-se que sinais neurológicos podem ocorrer em até 2% dos pacientes submetidos a esta técnica de escleroterapia
____________________________________________________ A imagem mostrada no texto publicado pelos autores dá uma idéia dos cuidados que devemos ter e dos limites que devemos respeitar. Clique na imagem para vê-la em tamanho maior. A publicação não revela o montante de espuma injetado na safena. A espuma obtida com 5ml de Polidocanol pode ultrapassar 12 ml. Após muitos anos trabalhando com esta técnica posso afirmar que o volume injetado e a topografia da veia alvo são determinantes, além de outros fatores, para o advento de episódios dessa gravidade. Não temos o direito de acrescentar efeitos colaterais desastrosos para o tratamento de uma patologia benigna como as varizes.


Donde podemos e devemos concluir que a existência estatisticamente significativa de "foramen ovale patente" na população deve manter aqueles que praticam a escleroterapia com espuma densa permanentemente atentos para a possibilidade, não só de trombose venosa, como também de embolia pulmonar e danos à rede vascular dos pulmões.

quarta-feira, maio 11, 2016

Erro médico é a terceira principal causa de morte nos Estados Unidos

Medical Error Is Third Leading Cause of Death in US
Erreur médicale est la troisième principale cause de décès aux États-Unis

Leia na fonte (AQUI em inglês)

Depois das doenças cardíacas e do câncer, os erros médicos são a terceira mais importante causa de morte nos Estados Unidos. 
A esta conclusão chegaram os doutores Martin A. Makary e Michael Daniel, ambos do Departamento de Cirurgia da Johns Hopkins University School of Medicine em Baltimore (USA).  
A matéria foi pulicada 03 de maio do corrente no The BMJ.
Como pode? O país venerado como o mais avançado em tecnologias médicas apresenta tal incidência de erros médicos?
Pois bem, eles primeiramente revelam que o CDC (Centers for Disease Control and Prevention) não detecta nem informa sobre esses erros, na medida em que eles não são inseridos nos certificados de óbitos. 
Estes certificados que nomeiam as causas dos óbitos se baseiam na CID (Classificação Internacional de Doenças) publicada pela OMS (Organização Mundial de Saúde). 
E, nesta Classificação, não constam causas determinadas por erros humanos. Diz a matéria que outros 117 países usam o CID como indicador da saúde primária. Portanto, o problema não envolve apenas os EUA.
“No momento, as doenças cardíacas e o câncer recebem atenção prioritária dos agentes da saúde pública com base nos dados de óbitos catalogados com base no CID”; e “uma vez que os erros médicos não aparecem nesta lista, o problema não recebe a devida atenção”.

Acrescentam os autores: As taxas de incidência de mortes atribuídas a erros na assistência médica não são reconhecidas em nenhum método de coleta de estatísticas nacionais. O sistema de codificação médica, tal como usado atualmente, foi projetado para maximizar o faturamento dos serviços médicos e não para coletar estatísticas de saúde. ” 
Donde se conclui que causas de morte não vinculadas à CID, tais como erros de diagnóstico, cuidados inadequados, exames inapropriados, intervenções indevidas ou desnecessárias, e que resultem em óbito não são detectadas.
Quem desejar mais detalhes da matéria pode ver em The BMJ

Resumo da matéria:
  • Os certificados de óbitos usados nos EUA (e outros países, Brasil incluído) não são apropriados para o reconhecimento do erro médico.
  • Se o erro médico fosse uma doença, estaria entre as três primeiras causas de óbito nos EUA (segundo o trabalho acima comentado).
  • O sistema de estatística em saúde nacional deve ser revisto a fim de facilitar o entendimento dos óbitos decorrentes dos cuidados médicos.

quarta-feira, dezembro 25, 2013

Trombose venosa e viagens


A partir dos anos 1950 começaram a ser publicadas informações associando episódios de TVP (trombose venosa profunda) e viagens de longa duração. Tornou-se quase consensual entre os profissionais de saúde considerar de longa duração qualquer viagem, por qualquer meio de transporte, que ultrapasse quatro horas.
Milhões de pessoas em todos os recantos do mundo podem apresentar episódios de trombose venosa e em torno de 1 a cada 10 podem morrer subitamente sem sequer terem sido diagnosticadas.
Este risco pode ser maior entre os que fazem viagens de longa duração, principalmente aqueles que, além da viagem, são portadores de alguns fatores de risco, tais como:


  1. A partir dos 45 anos o risco vai aumentando
  2. Obesidade
  3. Procedimento cirúrgico recente (principalmente procedimentos ortopédicos em membros inferiores)
  4. Pessoas que já tiveram algum episódio ou história familiar de fenômenos trombóticos
  5. Uso de medicamentos hormonais (reposição hormonal, anticoncepcionais)
  6. Portadores de trombofilia
  7. Gravidez
  8. Portadores de câncer
  9. Enfermidades cardíacas severas
  10. Doenças que dificultam a mobilidade


Obviamente, quanto mais fatores de risco existirem, maior a probabilidade da ocorrência de TVP em viagem prolongada.
E, nesses casos, talvez seja interessante ouvir as recomendações de seu médico antes de empreender a viagem programada.


Como regra geral, algumas atitudes preventivas podem ser tomadas durante a viagem:
  • Andar sempre que possível
  • Ingerir bastante líquidos (não alcoólicos)
  • Fazer exercícios de extensão e flexão dos pés para bombeamento das panturrilhas
  • Uso de meias de compressão elástica apropriadas para quem tem um ou mais dos fatores de risco relacionados acima


Medidas medicamentosas devem ser implementadas apenas sob recomendação médica.
As pessoas que costumam dormir por longos períodos durante uma viagem precisam estar atentas para o risco de TVP pois, certamente, estarão negligenciando a necessidade de se movimentar.
Gosto de salientar, muito embora não seja citado entre os fatores de risco, que os portadores de varizes, especialmente aquelas de maior calibre, merecem orientação especial, principalmente quanto ao tipo de meia que deverão usar.
Para quem deseja se aprofundar um pouco mais sobre essa questão sugerimos consultar o LIVRO AMARELO E SAÚDE DOS VIAJANTES (em inglês).


domingo, outubro 06, 2013

Uso abusivo de stents cardíacos

Os stents são dispositivos usados por cardiologistas intervencionistas e hemodinamicistas para manter abertas determinadas artérias. Algo em torno de 7.000.000 de americanos foram submetidos a implante desses stents coronarianos nesta última década (algo em volta de 700.000 por ano). O custo dessa “farra” girou em torno de cento e dez bilhões de dólares.

Matéria publicada no site da Bloomberg cita o cardiologista Samuel DeMaio que, no intervalo de 8 meses, colocou 21 stents no paciente Bruce Peterson e, numa das intervenções, implantou cinco stents em uma única artéria. As conplicações que se seguiram levaram o paciente à morte.
A matéria relata também outros casos de uso abusivo ou fraudulento de stents coronarianos. Boa parte dos casos, segundo algumas instituições e especialistas ouvidos, os procedimentos foram desnecessários. Uma das fontes contactadas informa que os casos relatados são apenas a ponta do iceberg (“the tip of the iceberg”). É emblemático o caso do cardiologista Mehmood Patel que foi “preso no ano passado após 51 acusações de cobranças por colocação de stents desnecessários”. Este cidadão teria faturado mais de 16 milhões de dólares com este procedimento em 3 anos e está cumprindo pena de 10 anos em penitenciária federal americana. Outros casos gravíssimos e inimagináveis são referidos na matéria.

O Dr. Nortin Hadler, professor da Universidade de Carolina do Norte em Chapell Hill diz: “O stent pertence a um dos capítulos mais sombrios da medicina ocidental.(…) a indústria da cardiologia intervencionista tem um fluxo de caixa comnparável ao PIB de muitos países.”
Já o Dr. David Brown, cardiologista da Stony Brook University School of Medicine de Nova York, estima que dois de cada três stents implantados em pacientes estáveis “são desnecessários.”
Revela ainda a matéria que a Society for Cardiovascular Angiography and Interventions arrecadou 2.7 milhões de dólares em doações provenientes de empresas fabricantes de stents para divulgar os benefícios desses dispositivos no período de 2008 a 2011. A venda de stents dessas empresas na ocasião alcançava a cifra de 5,5 bilhões de dólares. As empresas citadas são Medtronic, Abooott, Boston Scientific e Cordis.


Que conclusões tirar de tudo isto? Até onde e quando a prática médica será ditada pela indústria que está focada apenas no lucro de seus acionistas? O que tem feito as instituições médicas para inibir esta prática que já contaminou muitas especialidades, inclusive a nossa? Até quando nossos congressos e eventos serão pautados, não pelo estudo e pesquisa das patologias e suas prevenções, mas pela garimpagem de procedimentos baseados no uso de dispositivos cada vez mais caros e, frequentemente, inúteis?

Leituras que sugiro:
Bloomberg
http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa070829
http://archinte.jamanetwork.com/article.aspx?articleid=1108733





sábado, fevereiro 02, 2013

Exercícios de “jump” e veias varicosas

Em geral os portadores de veias varicosas referem como queixa principal o desconforto estético. Alguns casos evoluem para uma série de sintomas de localização nos membros inferiores, sendo os mais frequentes: dor, peso, cansaço, queimação, inchação. Nos casos de doença venosa mais avançada isso tudo pode evoluir até a formação de feridas (úlceras) crônicas decorrente da má circulação no território venoso.
Mas, se para a maioria o que mais incomoda é o aspecto estético, vamos
falar um pouco daquilo que nós não vemos: as alterações hemodinâmicas provocadas pelas veias varicosas. Ou seja, o que acontece com a circulação nas varizes?
Venous_valve Vejam neste desenho que copiei da Wikimedia Commons: as nossas veias dos membros inferiores tem várias válvulas que orientam o fluxo do sangue para cima, em direção ao coração. Quando estamos em pé a força da gravidade tende a fazer o refluxo. Ficamos sabendo assim que as válvulas das veias dos membros inferiores impedem que nosso sangue fique parado nas pernas. A contração e descontração dos músculos (principalmente os das panturrilhas), quando estamos em movimento, fazem o bombeamento do sangue através dessas válvulas.
Nas varizes, que são veias que se dilatam, essas válvulas não funcionam de forma adequada e, portanto, permitem o refluxo e o consequente aumento da pressão dentro das veias e, aos poucos, vai surgindo um ambiente de INSUFICIÊNCIA VENOSA CRÔNICA.
E o que o JUMP tem a ver com essa questão?
”Jump” é uma palavra inglesa que significa pular, saltar. O impacto que ocorre quando tocamos o solo após o salto representa um trabalho a mais para as válvulas de nossas veias. A coluna de sangue no momento do impacto tende a forçar as válvulas para baixo, no sentido do refluxo. Numa sessão de exercícios, esportes ou outras atividades que envolvam “jumps”, esses impactos repetidos podem representar uma contribuição negativa para os portadores de varizes.
Dependendo do tipo de “solo” onde esses exercícios são realizados, esses impactos podem ser bastante amenizados. Por exemplo, o “jump” praticado em camas elásticas representa impacto mais suave do que o realizado em solo rígido.
De qualquer maneira, a conduta mais apropriada para os adeptos do jump é a prevenção. Sempre sugiro a utilização, durante a prática do jump, de meias elásticas apropriadas que tem por função dar um suporte externo que auxilia o fluxo venoso na medida em que comprimem o sistema venoso otimizando assim o funcionamento valvular.
As meias elásticas devem ser prescritas por profissional experiente. Adquiri-las de forma aleatória em lojas especializadas pode representar um risco na medida em que essas meias devem respeitar critérios de medida, tamanho, pressão, etc.

domingo, março 25, 2012

Escleroterapia com laser–porque não fazemos?

Em nossa prática diária como especialistas em angiologia e cirurgia vascular, ouvimos frequentemente de nossos pacientes a pergunta “o que acha da escleroterapia com laser?” ou “porque não usa o laser?”.
A reposta é muito simples e as razões são várias:
1. Porque a escleroterapia a LASER não funciona tão bem quanto a escleroterapia química, ou seja, aquela escleroterapia em que se utiliza a injeção de produtos esclerosantes.
2. Além de ser menos eficaz do que a escleroterapia química, o uso do laser torna o tratamento muito mais caro. É por esta razão que, atualmente, os tratamento com laser são “complementados” com a escleroterapia química.
3. Ao contrário do que se pensa, a aplicação do laser é dolorosa. A quantidade de disparos de laser, que são dolorosos, para atingir um conjunto de “vasos” é bem maior do que a quantidade de “picadas” na escleroterapia química para esse mesmo conjunto de vasos. Principalmente se for usado um esclerosante no formato de espuma. A espuma tem uma capacidade esclerosante mais intensa do que outros produtos e uma única injeção consegue atingir uma área maior.
Vejam a opinião dos dois mais conhecidos escleroterapeutas norteamericanos. Ambos são dermatologistas (nos Estados Unidos o tratamento das microvarizes raramente é efetuado por cirurgiões vasculares e angiologistas)
Dr. Robert Weiss:
O laser transcutâneo não é a terapia primária para as microvarizes dos membros inferiores. Isto é verdadeiro por várias razões:
  • A absorção física da luz do laser, liberando uma dose ablativa de energia térmica para o vaso dificilmente ocorre sem danificar a pele.
  • O grau de absorção da luz pela pele é altamente variada de paciente para paciente. De tal forma que, mesmo um especialista muito experiente, pode inadvertidamente provocar queimaduras dolorosas da pele que podem resultar em hiperpigmentação ou despigmentação permanente da pele.
  • Para muitos pacientes, os disparos do laser são significativamente mais dolorosos do que as punções com as finíssimas agulhas 30g 1/2 usadas na escleroterapia.
  • Muitas microvarizes estão associadas a veias “nutridoras” que precisam ser tratadas antes usando outras formas de tratamento.
Dr. Micthel P. Goldman:
Uma vez que a escleroterapia tem um custo benefício melhor do que o laser, quando devemos usar esta terapia? Obviamente, pacientes com fobia de agulha tolerarão melhor esta tecnologia mesmo sabendo que a dor é mais intensa do que na escleroterapia.

Quermos, portanto, deixar claro que não se trata de posição pessoal contra o laser ou contra qualquer outra forma de terapia das varizes e microvarizes.
Trata-se, sim, de uma decisão profissional: a escleroterapia faz tudo o que o laser faz e, por outro lado, o laser está ainda muito longe de fazer tudo o que a escleroterapia faz.
Obviamente, cabe a cada paciente decidir qual a forma de tratamento que mais lhe convém.
Dr. José Amorim de Andrade / Dra. Maria de Lourdes Seibel

domingo, outubro 30, 2011

Cirurgia de varizes com radiofrequência: caso raro de lesão nerológica

O tratamento cirúrgico das varizes de membros inferiores está hoje solidamente alicerçado em fundamentos técnicos de comprovada eficiência. No Brasil a cirurgia de varizes alcançou o estado da arte, de tal forma que a cirurgia convencional continua sendo o padrão ouro no tratamento dessa enfermidade, junto com a escleroterapia para os casos competentemente selecionados.
No entanto, recursos de moderna tecnologia vem surgindo e sendo acrescentados ao armamentário terapêutico dos cirurgiões vasculares.Os catéteres com tecnologia laser (ENDOLASER) e os de RADIOFREQUÊNCIA estão entre essas novas armas que, em boas mãos e com indicação criteriosa, poderão trazer inestimável ajuda na abordagem da desagradável doença varicosa. Entretanto, ao contrário do que frequentemente está sendo divulgado, são recursos que não substituem ainda a cirurgia convencional. No estágio atual podem representar um recurso a mais em casos, repito, muito bem selecionados.
Além do mais, essas tecnologias apresentam também os seus riscos, não sendo portanto isentas de complicações. O conhecimento dessas complicações é de fundamental importância não só para nosso enriquecimento científico como também para o aprimoramento regoroso de nossas indicações.

Abaixo está relatado o caso de uma paciente, na Índia,  de 55 anos que evoluiu com lesão neurológica resultando em “pé caído”, após cirurgia de varizes usando técnica de ablação com RADIOFREQUÊNCIA.

A rare cause of foot drop after radiofrequency ablation for varicose veins: Case report and review of the literature
R Shiva Kumar
Department of Neurology, Sree Chitra Tirunal Institute for Medical Sciences and Technology, Trivandrum - 695 001
India